Ontem eu assisti a uma peça aqui em buenos aires
E tinha gente soluçando
Mas eu não.
A realidade familiar da maioria é tao diferente da minha
Aqui e ai também de repente as pessoas não permitem a morte
dos pais
E essa foi toda a minha vida desde que a morte chegou pra
mim
Eu lembro quando a minha avo paterna faleceu
Foi tao lindo
Eu achei aquele momento tao especial
Eu acho que foi a primeira vez que fui em um velório “meu”
Porque minha avo era minha.
E ve-la ali no caixão, as mãos frias, eu nunca mais esqueci
das mãos da minha avo paterna no caixao. As unhas eu não lembro se estavam
feitas ou não. eu acharia que sim. Mas estavam compridas. E eu lembro da
desconexão que eu vi entre a mao e o braço. Como se os punhos/pulsos fossem os
punhos e pulsos de alguém morto. Inchados. Senhora. Sem hora.
Era ela, fortu-nada.
Depois do velório foi a cremação.
Dizem que quando o caixao baixa na vila alpina não é verdade
que o corpo querido é queimado na hora.
Dizem (as más línguas) que as boas línguas de fogo queimam
somente uma vez na semana, um grande fogaréu de gente, cada qual na sua
boquinha de fogão. E que dai depois, já frios, alguém recolhe as cinzas que
estavam ali naquela região do seu corpo querido.
Entao, na real, a cinza que recebemos depois podem ou nem
ser do seu ente/corpo. Ou tem outros entes/corpos não tao queridos ou nem
sequer conhecidos por você ali naquele saco transparente e pesado que você
recebeu dentro da caixinha de madeira.
Mas sera que isso realmente importa tanto assim?
Pra mim o velório é a parte mais importante da vida.
Um gran finale que nos reconecta com tudo.
Julguem-me mas sou fã de velórios.
Eles são os regalos que os que vão deixam pra sempre pra
gente.
Eu nunca mais esqueci as mãos da minha avo paterna dentro do
caixao.
Do mesmo modo eu nunca mais esqueci as mãos e a testa do meu
pai dentro do caixao.
No velório do meu pai foi quando eu beijei pela primeira vez
a testa de uma pessoa morta. E eu lembro da sensação da tela de filo pinicando
no meu lábio seco. Eu também nunca mais esqueci dessa sensação.
Como as mãos de uma pessoa morta são frias e rígidas. E como
a testa é lisa, fria, com filo que pinica os lábios secos de quem so bebeu agua
porque alguém insistiu.
A morte vem com essa lição também. De que temos que
construir relações que cheguem ate esse momento. Que temos que regar pessoas
que amamos e que nos amam tanto a ponto de nos trazer agua, café (pra quem
toma) e pao de queijo.
Que passe a noite toda ali. estando. Existindo e dizendo sem
dizer que temos quem nos regue.
Ontem no teatro o protagonista falou que tomar banho é se
autoregar também.
Depois que todos se vão, se forem. Chega essa hora. De
cuidar de si. De banhar-se.
Aplausos. Silencio.
Seguimos.