Às 23 horas um espírito de outro ser invade a casa. Uma casa, então melancólica, agora cheia de ar.
Seriam os passos no corredor, pés de vizinho, ecoando no vácuo. Esse limítrofe sempre com suas peculiaridades, especialidades, querer bem, espremiam-no na condição de trabalhador.
Quero contar dele, esquecer dos ecos do outro lado da porta.
Quero falar que esperavam dele mais, e ele fez menos. Morreu antes do tempo, deixou dois filhos pequenos, mas criados. Era um criador, fotógrafo de nascença, chamado João. Um dos pequenos herdou o nome do pai. Herdou também sua doença, não a que mata, mas a visão de olhos escuros. João, esse Pedro, vê com olhos de criação.
Quem foi na missa, depois de uma semana, disse que foi tocante ver o filho com as fotos do pai nas mãos, distribuindo-as como ele mesmo fez na exposição no museu. Era fera o cara. Ficou assim, emagreceu, empalideceu, sua luz diminuiu e, aos pouco, fechou os olhos: um (enquadrou), depois o outro, clic.
Perde-se um vizinho, perde-se uma visão. Perde-se.
Ganha-se ar e liberdade. Nesses dias, talvez fabricados apenas pela morte de um.
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